tag:blogger.com,1999:blog-20978806011756509012024-03-08T08:35:14.421-08:00do piano ao fortepensamentos de uma iniciante.Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.comBlogger12125tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-89969358774092939452008-11-01T15:58:00.000-07:002008-11-01T23:05:22.346-07:00<div style="text-align: right;"><span style="font-style: italic;">"Todo signo está à espera de um leitor ideal" </span><br /><span style="font-style: italic;"></span>Charles S. Peirce<br /><br /><span style="font-style: italic;">"Eu sou meu ouvinte ideal"</span><br />Luciano Berio<br /></div><br /><br />No mês passado fui assistir à apresentação do <a href="http://www.alvanoto.com/">Alva Noto</a>, no SESC Pompéia. (Escrevi sobre ele no Rraurl em 2005. Quem tiver alguma paciência e ler a <a href="http://rraurl.uol.com.br/resenhas/3973/Alva_Noto_-_Transform__Mille_Plateaux__2001_">resenha</a> vai notar a minha total empatia e entusiasmo- e uma total falta de distanciamento jornalístico- com a obra dele.) Comprei ingressos pra mim e para vários amigos uma semana antes da apresentação, mas no dia o público era tão ínfimo que a bilheteria estava distribuindo ingressos de graça. A dupla Slope, de Colônia, abriu o show com um trabalho delicado, experimental, sem ritmo, sem melodia, quadrafônico. Pediam a única coisa que um músico espera do público: silêncio. Não conseguiram. Por não ser a atração principal e por não ter imposto seu som à platéia através da força, quase todo mundo que estava lá conversava a plenos pulmões, expelindo regras, considerações gerais e avaliações finais sobre algo que eles não pararam para prestar atenção um segundo sequer. Logo entrou Olaf Bender, companheiro de <a href="http://www.raster-noton.net/">selo</a> de Alva Noto, esporrando graves de tremer o estômago e agudos de tremer os pêlos do ouvido, espalhados em beats ritmados em músicas claramente dançantes. Calou a boca do público. Alva Noto, depois, fez o mesmo. Todo mundo levantou e começou a dançar com o aumento de decibéis e de graves e com algum sinal de pulso e ritmo. Era esse o momento que todos esperavam- o momento do comportamento habitual do, no caso, ouvinte-de-música-eletrônica, o momento em que o ouvinte-de-música-eletrônica faz o que é esperado dele, que é basicamente sacolejar o corpo ao som de um bumbo grave e constante e ficar gritando <span style="font-style: italic;">iu-hu</span>. Quem estava lá se sentia a nata da intelectualidade <span style="font-style: italic;">hype </span>paulistana, os privilegiados por terem certeza do que é legal gostar e do que é legal achar que é novo. Mas tenho a convicção de que qualquer pessoa que vá a uma apresentação ou a um show e não faça silêncio na verdade não é um apreciador de música. Ela vai ao show porque, dessa maneira, se sente inserida num determinado grupo social do qual ela deseja fazer parte. Nesse sentido, gostar de tal música ou vestir tal camiseta não faz a menor diferença. Qualquer coisa que é tida como novidade e que recebe o selo de qualidade da mídia, seja ela alternativa ou <span style="font-style: italic;">mainstream</span>, deve ser consumida. O público não deve ter nenhum tipo real de senso crítico- nem em relação à arte, nem em relação a si próprio. A mesma coisa aconteceu no show da Bjork ano passado no TIM Festival. Centenas de pessoas pagaram 150 reais pelo ingresso e a impressão que se tinha era que ninguém estava lá para ver e ouvir o trabalho da artista. Pagou porque era preciso, porque era <span style="font-style: italic;">necessário</span> ir ao show da Bjork, assim como é <span style="font-style: italic;">necessário</span> você comprar um Iphone ou ao menos ter alguma opinião sobre ele. Chamando utilitarismo de necessidade, mercado e público pervertem o maior valor da arte, que é a sua absoluta inutilidade- considerando que algo útil é algo com um fim pré-definido. Toda arte com um fim pré-definido é uma arte menor, pois limita sua interpretabilidade e subestima seu público. Da mesma maneira, o público, encerrando a obra de arte num conjunto de classificações, subestima sua potência transformadora e transmutável.<br /><br />Não digo aqui nada de novo, e nem ao menos digo-o bem dito. Todo o público intelectualizado de São Paulo já está cansado de ouvir coisas do tipo. Mas por algum motivos nos achamos incólumes à mediocridade. Por algum motivo nos julgamos ouvintes ideais, enquanto os artistas seguem falando para as paredes.Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com17tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-30992741002472536042008-07-11T06:47:00.001-07:002008-07-11T08:14:33.468-07:00perca tempo agoraoutro dia sentei com uma <a href="http://www.myspace.com/nataliamallo">amiga</a> minha pra escrever uma canção. um bolero, na verdade, pra uma trilha que eu estou fazendo. era pra gente fazer junto, mas na verdade eu só fiquei olhando. a canção é dela. compositora que é, primeiro rabiscou várias coisas num caderninho, sem parar muito pra pensar. foi escrevendo frases em espanhol. todas já meio com rima, todas já meio com métrica. já era meio uma letra. como é que consegue? eu escrevo e sai tudo meio... nada.<br /><br />depois, pegou o violão e foi jogando os acordes assim, um na frente do outro, naquela historinha harmônica, e encaixando a letra, procurando a melodia dentro dos acordes, ou os acordes na melodia que ela inventava. e as palavras todas cabiam, certinho, na melodia. ela brincava com tudo isso e a gente ria do caminho que a melodia às vezes tomava, já com vida própria, já andando com suas próprias pernas e meio alheia à sua autora. a música- no âmbito da canção, pelo menos- anda com as próprias pernas muito rapidamente. mal sai da cabeça de quem a faz e já sabe o que fazer, de onde sair, pra onde chegar. uma criança auto-suficiente dentro de um parque de diversões. algodão doce e carimbo de passe livre na mão. te encontro às sete lá na saída, mãe. beijo.<br /><br />quinze minutos, e temos música: "tengo celos". não ficou uma super música. é claro, faltou o trabalho mais árduo, a lapidação. dá pra melhorar a letra. dá pra firmar a melodia, e talvez descobrir caminhos mais interessantes, mais surpreendentes. mas está lá: "tengo celos". e olha, gruda na cabeça, viu. a diretora pediu mudanças, e talvez seja outra música, talvez seja um tango, algo mais dramático, que minha amiga vai compor rapidinho, também. mais loops na montanha russa. mais trem fantasma. mas no final a criança sempre encontra a mãe às sete, na saída. (ou não: mas aí já não é canção popular.)<br /><br />e hoje, lendo o blog da <a href="http://diariodaodalisca.zip.net/">índigo</a>, pensei no lado artesão descompromissado, meio arqueiro zen, meio criança, meio adolescente vagal, que o artista tem que ter. descobri os <a href="http://73subempregos.zip.net/">73 subempregos</a>. praticamente um subemprego por dia. todos ótimos, relaxadamente bem escritos. literatura pronta, ali, a apenas dois cliques de você. num dos posts ela diz que essa história toda de lista de subemprego estava atrapalhando a sua atividade literária. mas você vê que a artesã está ali, fazendo arte mesmo quando está fugindo do trabalho. a arte da vagabundagem. pensei, então, nas horas que a minha amiga compositora passou, desde criança, com o violão por cima, experimentando, procurando, vagabundeando cá e lá, ou então estudando uma música do caetano só pelo prazer de ter aquilo nas pontas dos dedos, e aprendendo a engenhosa ciência da harmonia como se deve- assim, do empirismo. beethoven estudando haydn, brahms estudando beethoven, mozart brincando aos teclados, e todos eles estudando bach.<br /><br />pra mim falta descompromisso. sou muito conceitual. e não considero isso uma qualidade. falta a sabedoria de deixar a melodia se fazer, e só depois rir dela, e não rir de mim mesma antes de tudo. uma mãe nunca sabe como o filho vai ser, e não é por isso que ela vai deixar de tê-lo. ou talvez eu simplesmente não tenha talento para ser mãe. professora, talvez. porque lapidar, isso eu sei como fazer. pelo menos com as palavras. mas não tenho o tal do ímpeto criador, que é apenas uma parte do trabalho do artista, mas uma parte absolutamente essencial. o cimento. o petróleo. setor primário. estou mais para terciário, mesmo. acabamento.<br /><br />mas... e esse trítono que fica me cutucando aqui no peito?<br /><br />a resposta é sempre a mesma: tempo. horas perdidas- ao piano, ao violão, entre as linhas. e vou aprendendo a perder tempo, com meus mestres de todo dia.Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-64338167570595569772008-06-24T12:12:00.000-07:002008-06-24T12:19:04.849-07:00time outah!<br />dave brubeck<br />e seus discos sobre o tempo<br />-não o tempo-<br />mas a divisão do tempo<br />e a fatal incomensurabilidade<br />-não do tempo-<br />mas da passagem do tempo.<br /><br />dividimos o tempo em partes, e temos música.Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-41675157337204745752008-05-24T08:27:00.000-07:002008-05-24T09:25:25.956-07:00la tournesse des pagesestou com minha <a href="http://www.myspace.com/trashpour4">banda</a> fazendo <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_0">shows</span> pela <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_1">europa</span>. é a primeira vez que vamos para tão longe, e que ficamos tanto tempo juntos. já passamos por quatro países diferentes em pouquíssimo tempo, e agora estamos em <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_2">lisboa</span>.<br /><br />dormimos na mesma cama. lavamos roupa na mesma máquina. fazemos supermercado juntos e os meninos brigam comigo pelo biscoito de arroz integral que eu comprei e que ninguém vai comer. o <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_3">dudu</span> briga com todo mundo porque ninguém pendura roupa no varal direito. algumas brigas e muitas <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_4">risadas</span>, <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_5">risadas</span> daquelas com lágrimas, <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_6">risadas</span> de cansaço e de sono. como primos. andamos, tiramos fotos e nos perdemos numa cidade desconhecida e que nos desconhece também, uma vila <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_7">madalena</span> exótica, os prédios cheios de azulejos e grafites, as ruas estreitas. tudo tão familiar. tudo tão estranho. ficamos sem dormir. passamos horas e horas no aeroporto. tudo isso para produzir, no total, cinco ou seis horas de música em um mês.<br /><br />banda é um microcosmo. ter uma banda é aprender a viver junto. e cada vez mais chego à conclusão de que fazer música <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_8">pop</span> é falar de algo que está além da música em si. a estrutura é um veículo de algum tipo de reflexão, de mensagem, de pergunta, seja uma mensagem <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_9">hedonista</span>, seja um pedido de libertação. e, desse ponto de vista, olhar a música <span class="blsp-spelling-error" id="SPELLING_ERROR_10">pop</span> e o nosso próprio trabalho de músicos e de artistas de palco- papéis que exercemos e que têm, na nossa área pelo menos, praticamente o mesmo grau de importância, queriam ou não os puristas do som- deixa tudo mais complexo... e mais interessante.<br /><br />música é muito mais que música.Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-25965008152644258412007-12-08T18:52:00.001-08:002007-12-08T18:57:59.071-08:00Paul McCartney filho da putaTodo dia ao acordar eu penso a mesma coisa. É bem ruim. Mas coisas desse tipo também acontecem com o Paul McCartney.<br />Ele acorda, abre seus olhos, olha para o teto e depois de alguns segundos pensa:<br /><br />- Nossa... eu era dos Beatles.<br /><br />Enquanto eu sonho, ele acorda.Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-40899551039050770362007-11-03T14:15:00.000-07:002007-11-03T16:05:01.269-07:00bateristas<div style="text-align: justify;">olha, não há experiência mais transcendental- no sentido budista-cristão do termo- do que estudar algumas horas de bateria. com ela não tem jogo: você é sempre um novato. porque ela está sempre te dizendo, movimento após movimento, o quanto seu corpo está absolutamente separado da sua mente. e o corpo deve ser educado através da didática mais elementar:<br />repetição. repetição. repetição. repetição. repetição. repetição. repetição.<br />dia após dia.<br />é assim: você analisa o exercício. por exemplo, o pé esquerdo faz as frases escritas na partitura (uma sequência rítmica simples qualquer), o direito marca o tempo, a mão direita, jazz (aquele dim, di-di-dim característico). ok, nada complicado. você já fez isso antes. você já estudou milhões de vezes a levada do jazz. você marca o tempo com o pé direito desde a sua primeira aula de bateria. e, bem, o pé esquerdo... é o pé esquerdo, aquela coisa, vai no tranco. liga o metrônomo: ah, vá, 90 b.p.m: nem tão rápido, nem tão lento: já é um <span style="font-style: italic;">moderato</span>. um dois três e...<br />desastre! o pé direito faz dim, di-di-dim, a mão direita faz qualquer coisa e o pé esquerdo, imóvel.<br />ok, vamos começar de novo. e você consegue aos trancos e barrancos chegar ao quarto compasso, até que os membros simplesmente travam. ou talvez sobre o pé direito no bumbo, marcando o tempo já perdido. e, claro, o metrônomo, incansável: tic-tic-tic-tic-tic na sua orelha. certo, hora da auto-avaliação, vamos baixar a ansiedade, o andamento: 60 b.p.m. cá entre nós, humilhante: 5% das músicas do mundo são em 60 b.p.m. mas é a única maneira de fazer com que algo de fato funcione. um dois, três, e... até que sai, quarto, quinto, sexto compasso até o fim, e você pode até ficar satisfeito porque os membros estão se mexendo de uma maneira não tão espasmódica, mas passada a euforia momentânea não tem como não notar que aquele suingue todo foi para o saco e todas as notas estão desencontradas. e então, na sua cabeça, a voz de professora fumante adverte:<br />"tudo MUITO lento. a cabeça entende rápido, mas os músculos não."<br />sim, é verdade. tudo muito lento. muito lento. 40 b.p.m., sendo que o metrônomo só vai até 35. o fabricante fez um metrônomo que vai de 35 a 240 b.p.m única e exclusivamente para proporcionar o máximo de frustração a todos os estudantes de bateria. 40 b.p.m é MUITO lento. entre um tic e outro você já esqueceu o que estava fazendo ali. além do mais, é menos da metade do andamento que você escolheu quando começou. mas a professora fumante, é claro, está absolutamente certa. o que você faz a princípio não é mais música, mas não importa: as notas vão calmamente aos seus respectivos lugares, como convidados com lugares marcados num jantar de gala, sentando-se ao lado das pessoas certas. e, após a entrada, o prato principal, a sobremesa e algumas taças de champagne e assuntos hipoteticamente interessantes, talvez eles fiquem mais à vontade dentro de seus fraques e longos, talvez conversem com os vizinhos da mesa ao lado, e depois da sobremesa, quando a glicose e o álcool no sangue lhes deixarem completamente à vontade em cima dos saltos altos e sapatos pretos, ou quase que completamente, talvez eles possam, na hora da valsa, levar seus companheiros para o centro do salão, ou mesmo escolher alguém do canto oposto, alguém que nunca poderiam ou gostariam de ter escolhido, e talvez rodopiem, esbarrando-se, mas rodopiem sobretudo, soltos, independentes, livres, presos uns aos outros apenas para que não saiam voando.<br />e daí, se isso acontecer, talvez você possa subir mais 10 b.p.m.. talvez.<br /></div>Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-51944236975435230442007-10-24T05:58:00.000-07:002007-10-24T06:00:36.765-07:00debussy, debutto compondo uma valsinha. é pra minha bisavó. e pra todas as dançarinas de caixinha de música.Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-17476162007660943472007-09-14T07:39:00.000-07:002007-09-14T08:00:58.752-07:00<div style="text-align: justify;">Passei 40 dias longe do meu piano. Fui ver as novidades do velho continente; tudo era novidade. Abandonei meus blogs por um caderninho verde. Me perdi. Andei de bicicleta. Vi obras-primas. Escrevi algumas coisas.<br /><br />Agora voltei para o meu quarto e o meu piano continua lá. Silencioso. Na verdade ele não deve se importar, deve preferir ficar na dele, "me deixe em paz, você com essa sua técnica horrível, seu Satie mal-tocado, eu gosto mesmo é das valsas."<br /><br />- Por que é tão difícil dominar um instrumento?<br /><br />- É que sentados na sua tampa estão desde Bach até Stockhausen, de mãos dadas com minha bisavó, fazendo peso para que eu não a abra, para que eu não toque a minha escalinha de dó maior, para que eu deixe a tradição em paz, porque ela já tem problemas demais.</div>Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-60480835901519904602007-05-30T17:50:00.000-07:002007-05-30T18:00:40.273-07:00<div style="text-align: justify;">Para vocês lerem, e para eu não me esquecer. É, para mim, um manifesto para o verdadeiro estudante (no sentido mais geral do termo) de qualquer arte que seja.<br /><br />"O melhor volume de crítica musical que eu já encontrei é o <span style="font-style: italic;">Stravinski</span> de Boris de Schloezer. Mas o que é que eu aprendi depois de lê-lo que eu já não sabia antes?<br />(...) Agrada-me em particular uma sentença, talvez a única de todo livro que eu consiga recordar (aproximadamente): 'A melodia é a coisa mais artificial em música' , ou seja, é a coisa mais distante de tudo o que um compositor possa encontrar LÁ, pronto, em estado de natureza, precisando apenas de imitação ou cópia direta. É, portanto, a raiz do teste, etc.<br />Este é um aforismo, uma afirmação geral. Para mim, profundamente verdadeira. Ela <span style="font-style: italic;">pode</span> ser usada como medida de aferição para Stravinsky ou qualquer outro compositor. MAS e quanto ao conhecimento efetivo de Stravinsky? Quando Boris de Schloezer se refere a obras que já ouvi, eu entendo a maior parte ou talvez a totalidade do que ele quer dizer.<br />Quando ele se refere a obras que eu não ouvi, eu compreendo sua 'idéia geral' mas não adquiro nenhum conhecimento objetivo.<br />Minha impressão final é que ele aceitou um caso difícil, fez o máximo pelo seu cliente e por fim deixou Stravinsky entregue à sua própria sorte, embora ele tivesse explicado porque o compositor tomou um caminho errado ou não poderia ter feito de outra maneira."<br /><br /><div style="text-align: right;">Ezra Pound, ABC da literatura, ed. Cultrix<br /></div></div>Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-75050480312477177932007-05-29T16:26:00.000-07:002007-05-31T09:02:16.385-07:00<div style="text-align: justify;">Está muito frio e a tampa do piano está abaixada há algumas semanas, com roupas recém-passadas por cima. Por vezes utilizo-o também para o depósito de correspondências de banco, livros usados na faculdade, chaves, enfim, apenas como mais uma superfície despida que eu automaticamente ocupo, com essa minha compulsão em preencher espaços vazios com o caos. "A Maguinha deve estar chateada com você", preconizou minha mãe algum dia desses.<br />Maguinha é (era) minha bisavó. Antes de morrer, trancava seu piano (este que agora é "meu") a sete chaves numa sala de sua casa em São João da Boa Vista. Tinha ciúmes. Em cima dele, retratos da família. Nas nossas raras reuniões abria-o e tocava as mesmas valsas, sorrindo.<br />Na morte da Maguinha, minha mãe entrou na partição da herança com unhas e dentes, unicamente pelo piano. Alegava aos irmãos e primos que 'seria importante para minha formação musical'. Eu, na época apenas baterista, sem pretensões harmônico-melódicas de qualquer tipo, não dei bola. Pelo contrário: sabia que, uma vez o piano em nosso poder, eu teria o compromisso transcendental de tocá-lo.<br />Depois de diversos trâmites o piano ficou num campo neutro: a casa de meu avô, genro da Maguinha e nosso vizinho do andar de baixo. Em pouco tempo, descansava num canto sem ser incomodado, com toda sua pompa alemã, obsoleto e desafinado, como se estivesse engordando. Suas teclas de marfim, intocadas.<br />Alguns anos depois, pedi à família que o piano subisse aqui pra casa.<br />Foi um sofrimento: a escada que dá acesso à minha casa é íngreme e estreita, tiveram que desmontá-lo em êne partes- firma especializada, e tudo o mais, mas, na verdade, cheguei a pensar que o piano nunca mais seria o mesmo. Desmontaram o teclado, um dos braços sabe-se lá porquê estava colado no corpo ao invés de parafusado, descolaram-no à força, pancadas mesmo. (O resultado sonoro era rico, brutal, angustiante. Fiquei imaginando como deve ser bonita aquela peça em que jogam um piano da janela para se espatifar em ressonâncias.) Como se não bastasse, o piano não passou pela porta de casa e do meu quarto por um centímetro. Os marmanjos tiveram delicadeza e força o bastante para efetuar um milagre.<br /><span style="font-style: italic;">Et voilá</span> o piano no meu quarto, como vindo de um teletransporte. Afinado, esperando que eu o toque. Depois que comecei a ter aulas esporádicas tenho tido semanas bem pianísticas. Mas em pouco tempo o caos se instaura por cima da tampa e minha atenção se atém a outra coisa qualquer, deixando Mr. Bechstein repousar no silêncio. Serei eu um dia capaz de fazê-lo soar como merece?</div>Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-61348119066347628792007-04-25T13:18:00.000-07:002007-05-29T17:34:35.112-07:00<div style="text-align: justify;">Estudar um instrumento é ser sempre novato.<br />Dia após dia, deve-se sentar ao instrumento como pela primeira vez. O exercício é <strong>sempre o mesmo: </strong>aquele primeiro, da primeira lição do professor. Os objetivos de um novato e de um <em>expert </em>são os mesmos. Portanto, não existe um real objetivo final. O grande mistério a ser resolvido no exercício da arte se coloca diante de nós como um monolito, desde a primeira de um pianista até seu último concerto.<br />Estudar deve ser meditar. E o estudante há de ser, por definição, um humilde.<br />Deve-se sempre subestimar suas próprias habilidades.</div>Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2097880601175650901.post-44683170302324850082007-04-23T13:24:00.000-07:002007-05-29T18:32:39.043-07:00estabeleço, neste exato momento, meu compromisso vitalício com a escala de dó maior.Mariáhttp://www.blogger.com/profile/17087529818208624082noreply@blogger.com0