sábado, 3 de novembro de 2007

bateristas

olha, não há experiência mais transcendental- no sentido budista-cristão do termo- do que estudar algumas horas de bateria. com ela não tem jogo: você é sempre um novato. porque ela está sempre te dizendo, movimento após movimento, o quanto seu corpo está absolutamente separado da sua mente. e o corpo deve ser educado através da didática mais elementar:
repetição. repetição. repetição. repetição. repetição. repetição. repetição.
dia após dia.
é assim: você analisa o exercício. por exemplo, o pé esquerdo faz as frases escritas na partitura (uma sequência rítmica simples qualquer), o direito marca o tempo, a mão direita, jazz (aquele dim, di-di-dim característico). ok, nada complicado. você já fez isso antes. você já estudou milhões de vezes a levada do jazz. você marca o tempo com o pé direito desde a sua primeira aula de bateria. e, bem, o pé esquerdo... é o pé esquerdo, aquela coisa, vai no tranco. liga o metrônomo: ah, vá, 90 b.p.m: nem tão rápido, nem tão lento: já é um moderato. um dois três e...
desastre! o pé direito faz dim, di-di-dim, a mão direita faz qualquer coisa e o pé esquerdo, imóvel.
ok, vamos começar de novo. e você consegue aos trancos e barrancos chegar ao quarto compasso, até que os membros simplesmente travam. ou talvez sobre o pé direito no bumbo, marcando o tempo já perdido. e, claro, o metrônomo, incansável: tic-tic-tic-tic-tic na sua orelha. certo, hora da auto-avaliação, vamos baixar a ansiedade, o andamento: 60 b.p.m. cá entre nós, humilhante: 5% das músicas do mundo são em 60 b.p.m. mas é a única maneira de fazer com que algo de fato funcione. um dois, três, e... até que sai, quarto, quinto, sexto compasso até o fim, e você pode até ficar satisfeito porque os membros estão se mexendo de uma maneira não tão espasmódica, mas passada a euforia momentânea não tem como não notar que aquele suingue todo foi para o saco e todas as notas estão desencontradas. e então, na sua cabeça, a voz de professora fumante adverte:
"tudo MUITO lento. a cabeça entende rápido, mas os músculos não."
sim, é verdade. tudo muito lento. muito lento. 40 b.p.m., sendo que o metrônomo só vai até 35. o fabricante fez um metrônomo que vai de 35 a 240 b.p.m única e exclusivamente para proporcionar o máximo de frustração a todos os estudantes de bateria. 40 b.p.m é MUITO lento. entre um tic e outro você já esqueceu o que estava fazendo ali. além do mais, é menos da metade do andamento que você escolheu quando começou. mas a professora fumante, é claro, está absolutamente certa. o que você faz a princípio não é mais música, mas não importa: as notas vão calmamente aos seus respectivos lugares, como convidados com lugares marcados num jantar de gala, sentando-se ao lado das pessoas certas. e, após a entrada, o prato principal, a sobremesa e algumas taças de champagne e assuntos hipoteticamente interessantes, talvez eles fiquem mais à vontade dentro de seus fraques e longos, talvez conversem com os vizinhos da mesa ao lado, e depois da sobremesa, quando a glicose e o álcool no sangue lhes deixarem completamente à vontade em cima dos saltos altos e sapatos pretos, ou quase que completamente, talvez eles possam, na hora da valsa, levar seus companheiros para o centro do salão, ou mesmo escolher alguém do canto oposto, alguém que nunca poderiam ou gostariam de ter escolhido, e talvez rodopiem, esbarrando-se, mas rodopiem sobretudo, soltos, independentes, livres, presos uns aos outros apenas para que não saiam voando.
e daí, se isso acontecer, talvez você possa subir mais 10 b.p.m.. talvez.

8 comentários:

Felipe Sant'Angelo disse...

A cada exercício de ritmo que faço tenho vontade de quebrar um violão. Pena que não posso. Sou uma aranha com caimbra tentando aprender ritmo. Ainda não sei se saber que vc também tem dificuldades estando anos luz a minha frente é um consolo ou um desconsolo.

Ana Dupas disse...

ai... fiquei zonza...
mas quanto ao jantar de gala, vou te mandar um texto perfeito!

Ana Dupas disse...
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Pati Vieira disse...

Bateria é o instrumento mais difícil que existe de se tocar. Pelo menos para quem não toca nada.
E piano o mais bonito.

Anônimo disse...

são exercícios de musicalização do IVO e aulas de violão, somados aos embalos de sábado à noite.

Natalia Mallo disse...

estilo é repetição

Unknown disse...

Olá
Estou procurando por músicas que possuam de 60 a 70 bpm e acabei achando o seu blog. Não entendo nada de música, sou apenas uma recreadora curiosa querendo relaxar as crianças com música. Você pode me indicar algumas. Eu simplesmente não sei o que seriam músicas com 60 bpm, sei apenas que elas seriam suficientes preu começar bem as minhas aulas. Você pode me ajudar?
Um abraço
Bete Lima

ibetelima gmail.com

Nitram disse...

"5% das músicas do mundo são em 60 b.p.m."

Isso pode soar bizarro, mas uma boa parte das minhas músicas é em 60 bpm. com um pouco de auto-análise eu arriscaria dizer que isso se deve talvez ao fato de eu conseguir controlar melhor o fluxo do tempo contando em segundos do que numa pulsação abstrata qualquer. mas não confio tanto assim em mim mesmo!

Beijo.