sexta-feira, 11 de julho de 2008

perca tempo agora

outro dia sentei com uma amiga minha pra escrever uma canção. um bolero, na verdade, pra uma trilha que eu estou fazendo. era pra gente fazer junto, mas na verdade eu só fiquei olhando. a canção é dela. compositora que é, primeiro rabiscou várias coisas num caderninho, sem parar muito pra pensar. foi escrevendo frases em espanhol. todas já meio com rima, todas já meio com métrica. já era meio uma letra. como é que consegue? eu escrevo e sai tudo meio... nada.

depois, pegou o violão e foi jogando os acordes assim, um na frente do outro, naquela historinha harmônica, e encaixando a letra, procurando a melodia dentro dos acordes, ou os acordes na melodia que ela inventava. e as palavras todas cabiam, certinho, na melodia. ela brincava com tudo isso e a gente ria do caminho que a melodia às vezes tomava, já com vida própria, já andando com suas próprias pernas e meio alheia à sua autora. a música- no âmbito da canção, pelo menos- anda com as próprias pernas muito rapidamente. mal sai da cabeça de quem a faz e já sabe o que fazer, de onde sair, pra onde chegar. uma criança auto-suficiente dentro de um parque de diversões. algodão doce e carimbo de passe livre na mão. te encontro às sete lá na saída, mãe. beijo.

quinze minutos, e temos música: "tengo celos". não ficou uma super música. é claro, faltou o trabalho mais árduo, a lapidação. dá pra melhorar a letra. dá pra firmar a melodia, e talvez descobrir caminhos mais interessantes, mais surpreendentes. mas está lá: "tengo celos". e olha, gruda na cabeça, viu. a diretora pediu mudanças, e talvez seja outra música, talvez seja um tango, algo mais dramático, que minha amiga vai compor rapidinho, também. mais loops na montanha russa. mais trem fantasma. mas no final a criança sempre encontra a mãe às sete, na saída. (ou não: mas aí já não é canção popular.)

e hoje, lendo o blog da índigo, pensei no lado artesão descompromissado, meio arqueiro zen, meio criança, meio adolescente vagal, que o artista tem que ter. descobri os 73 subempregos. praticamente um subemprego por dia. todos ótimos, relaxadamente bem escritos. literatura pronta, ali, a apenas dois cliques de você. num dos posts ela diz que essa história toda de lista de subemprego estava atrapalhando a sua atividade literária. mas você vê que a artesã está ali, fazendo arte mesmo quando está fugindo do trabalho. a arte da vagabundagem. pensei, então, nas horas que a minha amiga compositora passou, desde criança, com o violão por cima, experimentando, procurando, vagabundeando cá e lá, ou então estudando uma música do caetano só pelo prazer de ter aquilo nas pontas dos dedos, e aprendendo a engenhosa ciência da harmonia como se deve- assim, do empirismo. beethoven estudando haydn, brahms estudando beethoven, mozart brincando aos teclados, e todos eles estudando bach.

pra mim falta descompromisso. sou muito conceitual. e não considero isso uma qualidade. falta a sabedoria de deixar a melodia se fazer, e só depois rir dela, e não rir de mim mesma antes de tudo. uma mãe nunca sabe como o filho vai ser, e não é por isso que ela vai deixar de tê-lo. ou talvez eu simplesmente não tenha talento para ser mãe. professora, talvez. porque lapidar, isso eu sei como fazer. pelo menos com as palavras. mas não tenho o tal do ímpeto criador, que é apenas uma parte do trabalho do artista, mas uma parte absolutamente essencial. o cimento. o petróleo. setor primário. estou mais para terciário, mesmo. acabamento.

mas... e esse trítono que fica me cutucando aqui no peito?

a resposta é sempre a mesma: tempo. horas perdidas- ao piano, ao violão, entre as linhas. e vou aprendendo a perder tempo, com meus mestres de todo dia.