sábado, 8 de dezembro de 2007

Paul McCartney filho da puta

Todo dia ao acordar eu penso a mesma coisa. É bem ruim. Mas coisas desse tipo também acontecem com o Paul McCartney.
Ele acorda, abre seus olhos, olha para o teto e depois de alguns segundos pensa:

- Nossa... eu era dos Beatles.

Enquanto eu sonho, ele acorda.

sábado, 3 de novembro de 2007

bateristas

olha, não há experiência mais transcendental- no sentido budista-cristão do termo- do que estudar algumas horas de bateria. com ela não tem jogo: você é sempre um novato. porque ela está sempre te dizendo, movimento após movimento, o quanto seu corpo está absolutamente separado da sua mente. e o corpo deve ser educado através da didática mais elementar:
repetição. repetição. repetição. repetição. repetição. repetição. repetição.
dia após dia.
é assim: você analisa o exercício. por exemplo, o pé esquerdo faz as frases escritas na partitura (uma sequência rítmica simples qualquer), o direito marca o tempo, a mão direita, jazz (aquele dim, di-di-dim característico). ok, nada complicado. você já fez isso antes. você já estudou milhões de vezes a levada do jazz. você marca o tempo com o pé direito desde a sua primeira aula de bateria. e, bem, o pé esquerdo... é o pé esquerdo, aquela coisa, vai no tranco. liga o metrônomo: ah, vá, 90 b.p.m: nem tão rápido, nem tão lento: já é um moderato. um dois três e...
desastre! o pé direito faz dim, di-di-dim, a mão direita faz qualquer coisa e o pé esquerdo, imóvel.
ok, vamos começar de novo. e você consegue aos trancos e barrancos chegar ao quarto compasso, até que os membros simplesmente travam. ou talvez sobre o pé direito no bumbo, marcando o tempo já perdido. e, claro, o metrônomo, incansável: tic-tic-tic-tic-tic na sua orelha. certo, hora da auto-avaliação, vamos baixar a ansiedade, o andamento: 60 b.p.m. cá entre nós, humilhante: 5% das músicas do mundo são em 60 b.p.m. mas é a única maneira de fazer com que algo de fato funcione. um dois, três, e... até que sai, quarto, quinto, sexto compasso até o fim, e você pode até ficar satisfeito porque os membros estão se mexendo de uma maneira não tão espasmódica, mas passada a euforia momentânea não tem como não notar que aquele suingue todo foi para o saco e todas as notas estão desencontradas. e então, na sua cabeça, a voz de professora fumante adverte:
"tudo MUITO lento. a cabeça entende rápido, mas os músculos não."
sim, é verdade. tudo muito lento. muito lento. 40 b.p.m., sendo que o metrônomo só vai até 35. o fabricante fez um metrônomo que vai de 35 a 240 b.p.m única e exclusivamente para proporcionar o máximo de frustração a todos os estudantes de bateria. 40 b.p.m é MUITO lento. entre um tic e outro você já esqueceu o que estava fazendo ali. além do mais, é menos da metade do andamento que você escolheu quando começou. mas a professora fumante, é claro, está absolutamente certa. o que você faz a princípio não é mais música, mas não importa: as notas vão calmamente aos seus respectivos lugares, como convidados com lugares marcados num jantar de gala, sentando-se ao lado das pessoas certas. e, após a entrada, o prato principal, a sobremesa e algumas taças de champagne e assuntos hipoteticamente interessantes, talvez eles fiquem mais à vontade dentro de seus fraques e longos, talvez conversem com os vizinhos da mesa ao lado, e depois da sobremesa, quando a glicose e o álcool no sangue lhes deixarem completamente à vontade em cima dos saltos altos e sapatos pretos, ou quase que completamente, talvez eles possam, na hora da valsa, levar seus companheiros para o centro do salão, ou mesmo escolher alguém do canto oposto, alguém que nunca poderiam ou gostariam de ter escolhido, e talvez rodopiem, esbarrando-se, mas rodopiem sobretudo, soltos, independentes, livres, presos uns aos outros apenas para que não saiam voando.
e daí, se isso acontecer, talvez você possa subir mais 10 b.p.m.. talvez.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

debussy, debut

to compondo uma valsinha. é pra minha bisavó. e pra todas as dançarinas de caixinha de música.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Passei 40 dias longe do meu piano. Fui ver as novidades do velho continente; tudo era novidade. Abandonei meus blogs por um caderninho verde. Me perdi. Andei de bicicleta. Vi obras-primas. Escrevi algumas coisas.

Agora voltei para o meu quarto e o meu piano continua lá. Silencioso. Na verdade ele não deve se importar, deve preferir ficar na dele, "me deixe em paz, você com essa sua técnica horrível, seu Satie mal-tocado, eu gosto mesmo é das valsas."

- Por que é tão difícil dominar um instrumento?

- É que sentados na sua tampa estão desde Bach até Stockhausen, de mãos dadas com minha bisavó, fazendo peso para que eu não a abra, para que eu não toque a minha escalinha de dó maior, para que eu deixe a tradição em paz, porque ela já tem problemas demais.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Para vocês lerem, e para eu não me esquecer. É, para mim, um manifesto para o verdadeiro estudante (no sentido mais geral do termo) de qualquer arte que seja.

"O melhor volume de crítica musical que eu já encontrei é o Stravinski de Boris de Schloezer. Mas o que é que eu aprendi depois de lê-lo que eu já não sabia antes?
(...) Agrada-me em particular uma sentença, talvez a única de todo livro que eu consiga recordar (aproximadamente): 'A melodia é a coisa mais artificial em música' , ou seja, é a coisa mais distante de tudo o que um compositor possa encontrar LÁ, pronto, em estado de natureza, precisando apenas de imitação ou cópia direta. É, portanto, a raiz do teste, etc.
Este é um aforismo, uma afirmação geral. Para mim, profundamente verdadeira. Ela pode ser usada como medida de aferição para Stravinsky ou qualquer outro compositor. MAS e quanto ao conhecimento efetivo de Stravinsky? Quando Boris de Schloezer se refere a obras que já ouvi, eu entendo a maior parte ou talvez a totalidade do que ele quer dizer.
Quando ele se refere a obras que eu não ouvi, eu compreendo sua 'idéia geral' mas não adquiro nenhum conhecimento objetivo.
Minha impressão final é que ele aceitou um caso difícil, fez o máximo pelo seu cliente e por fim deixou Stravinsky entregue à sua própria sorte, embora ele tivesse explicado porque o compositor tomou um caminho errado ou não poderia ter feito de outra maneira."

Ezra Pound, ABC da literatura, ed. Cultrix

terça-feira, 29 de maio de 2007

Está muito frio e a tampa do piano está abaixada há algumas semanas, com roupas recém-passadas por cima. Por vezes utilizo-o também para o depósito de correspondências de banco, livros usados na faculdade, chaves, enfim, apenas como mais uma superfície despida que eu automaticamente ocupo, com essa minha compulsão em preencher espaços vazios com o caos. "A Maguinha deve estar chateada com você", preconizou minha mãe algum dia desses.
Maguinha é (era) minha bisavó. Antes de morrer, trancava seu piano (este que agora é "meu") a sete chaves numa sala de sua casa em São João da Boa Vista. Tinha ciúmes. Em cima dele, retratos da família. Nas nossas raras reuniões abria-o e tocava as mesmas valsas, sorrindo.
Na morte da Maguinha, minha mãe entrou na partição da herança com unhas e dentes, unicamente pelo piano. Alegava aos irmãos e primos que 'seria importante para minha formação musical'. Eu, na época apenas baterista, sem pretensões harmônico-melódicas de qualquer tipo, não dei bola. Pelo contrário: sabia que, uma vez o piano em nosso poder, eu teria o compromisso transcendental de tocá-lo.
Depois de diversos trâmites o piano ficou num campo neutro: a casa de meu avô, genro da Maguinha e nosso vizinho do andar de baixo. Em pouco tempo, descansava num canto sem ser incomodado, com toda sua pompa alemã, obsoleto e desafinado, como se estivesse engordando. Suas teclas de marfim, intocadas.
Alguns anos depois, pedi à família que o piano subisse aqui pra casa.
Foi um sofrimento: a escada que dá acesso à minha casa é íngreme e estreita, tiveram que desmontá-lo em êne partes- firma especializada, e tudo o mais, mas, na verdade, cheguei a pensar que o piano nunca mais seria o mesmo. Desmontaram o teclado, um dos braços sabe-se lá porquê estava colado no corpo ao invés de parafusado, descolaram-no à força, pancadas mesmo. (O resultado sonoro era rico, brutal, angustiante. Fiquei imaginando como deve ser bonita aquela peça em que jogam um piano da janela para se espatifar em ressonâncias.) Como se não bastasse, o piano não passou pela porta de casa e do meu quarto por um centímetro. Os marmanjos tiveram delicadeza e força o bastante para efetuar um milagre.
Et voilá o piano no meu quarto, como vindo de um teletransporte. Afinado, esperando que eu o toque. Depois que comecei a ter aulas esporádicas tenho tido semanas bem pianísticas. Mas em pouco tempo o caos se instaura por cima da tampa e minha atenção se atém a outra coisa qualquer, deixando Mr. Bechstein repousar no silêncio. Serei eu um dia capaz de fazê-lo soar como merece?

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Estudar um instrumento é ser sempre novato.
Dia após dia, deve-se sentar ao instrumento como pela primeira vez. O exercício é sempre o mesmo: aquele primeiro, da primeira lição do professor. Os objetivos de um novato e de um expert são os mesmos. Portanto, não existe um real objetivo final. O grande mistério a ser resolvido no exercício da arte se coloca diante de nós como um monolito, desde a primeira de um pianista até seu último concerto.
Estudar deve ser meditar. E o estudante há de ser, por definição, um humilde.
Deve-se sempre subestimar suas próprias habilidades.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

estabeleço, neste exato momento, meu compromisso vitalício com a escala de dó maior.